Ser vacinado pela periferia é ficar imune ao quê? Lendo estas linhas cada um poderá deduzir, tirar sua conclusão.
O choque entre realidades sociais e culturais está na mídia desde o final da década de 80. Ninguém mais pode alegar ignorância diante de tanta exposição e debate. Mas teoria é uma coisa, prática é outra. Jamais escreveria um livro com a riqueza de detalhes que teve Marvin se eu não tivesse a prática. Até hoje conheço pessoas que fogem de COHABs e núcleos de submoradias como o diabo foge da cruz. Ainda “não se tocaram” de que o filho, o neto ou o sobrinho não precisam recorrer a esses locais para correrem risco de vida ou de saúde. A farinha está na porta do clube, dentro ou próxima do colégio particular. Associar a periferia às drogas e à violência atualmente, é cometer uma gafe, além de deixar transparecer um conceito preconceituoso...o “pré-conceito” discriminatório.
Jesus nasceu num estábulo, numa cidade sem importância. Desde a época de Cristo, e antes de Cristo, tudo o que ocorre no mundo possui um significado. Para compreender esse quebra cabeça da vida, o “jogo do destino” como poderiam dizer os mais místicos, é necessário despojar-se dos sentimentos de vaidade, orgulho e preconceitos. Seja católico, espírita ou maçom. De tudo aquilo que você foge em seu corpo físico, irá encontrar lá na frente. Alguém aqui pode gritar: “ah,se eu fujo das drogas a vida inteira então eu vou encontrá-la no além? Quer dizer que não devo fugir?” Não! Ninguém deve fugir de nada. Nem do mal. É tudo questão de atitude. Quem não quer usar drogas, não precisa fugir delas. Quem quer seguir a Deus, não precisa fugir do diabo. Basta assumir tal postura. Sim ou não, é ou não é. Reflitam sobre a letra de uma música que diz “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Na sociedade tudo sempre girou dessa forma, e isso acontece devido a má interpretação de uma Palavra santa: “um fruto podre em meio aos bons, contamina todos os demais”. Isso ocorre porque os bons não possuem auto-defesa, não estão imunizados. Circulando por entre igrejas em minhas “peregrinações”, cansei de ver a prática desse conceito distorcido. O fiel, fervoroso, não vai a determinados lugares porque admite ser fraco e cair na tentação. A pergunta que não quer calar: se um aluno está há oito, dez anos na escola, ele já não tem determinado preparo para encarar o mundo profissional? Aqueles que passaram pelo Ensino Médio, fizeram ENEM, vestibulinho, já não possuem preparo para enfrentar a faculdade? O que esses fiéis estão fazendo há tantos anos na igreja se ainda estão fracos? Que soldados de Cristo são esses que se entrarem numa zona de meretrício ou num círculo de “noias” deixarão se levar pela tentação? Quer dizer que a vacina da fé não está fazendo efeito...ou seria apenas uma forma de sair pela tangente? A citação dos frutos podres realmente pode ser uma ótima justificativa para se omitir em determinados trabalhos de importância. Tudo questão de interpretação. O fruto podre contamina se for mantido no local como ele está. O podre também não significa necessariamente que esteja morto, pode estar doente. E como será tratado se for jogado dentro dum poço, com outros doentes? Não é necessário prosseguir, para os bons entendedores, meia palavra basta.
Cheguei até este ponto para refletirmos sobre a questão social do ambiente, periferia. Falta de saneamento básico, caminhar por vielas de terra, saltando buracos e filetes de esgoto. Iluminação precária a noite. Quem não possui experiência de vida, não se preparou, “passa mal”. Do lado de lá ocorre mesma coisa. Elites de intelectuais criticam (nos bastidores) o povo que não compreende uma bela poesia ou não assimila uma boa música. “Só sabem escrever sobre bandido fugindo de polícia e curtir funk, rap, pagode...” Se não ocorre uma aproximação de ambos os lados, se as duas faces da moeda não possuem a humildade de penetrar um no mundo do outro, com boa vontade e atitude, não há como compreender e haver um equilíbrio cultural. O ser humano é um só, a sociedade, embora dividida entre nações e culturas, é também uma só. Por isso, se cresci no berço da classe média, “tomei a vacina” da periferia. Para não deixar me seduzir pelo materialismo. Caminho por veredas temidas por aqueles que dizem temer os tais frutos podres. Fogem do diabo e temem a Deus (outro engano!) Se você tem medo do inimigo, ele te alcança, pois só os fracos tem medo! Se você tem medo do seu “patrão”, ele abusará de você, pois os homens tiram proveito dos mais fracos, aqueles que tem medo! Por que temer a Deus se Deus, ao contrário do homem, é bom? No tempo da escravidão, os serviçais não saíam daquela vida porque temiam seus patrões. Começaram a possuir qualidade de vida quando deixaram de temer e passaram a dialogar, enfrentar. Logo, incutir medo nos subordinados sempre foi a forma mais fácil de domínio. Deus precisaria usar desse método para fazer com que sejamos fiéis? Isso é ridículo! Quem tem medo não ama. Quem ama, respeita. Deus avalia a fidelidade do homem pelo respeito que tem diante de Sua Presença.
Diante de tantos enganos na vida religiosa, espiritual, é de se esperar que a sociedade tenha medos e preconceitos de seus semelhantes só por causa da classe social. Por isso, usei o sentido figurado da vacina. Quem mora na periferia precisa também tomar a vacina cultural do mundo oposto, reconhecer a boa música, a boa literatura... mas precisa haver um preparo, que dificilmente será atingido se não houver boa vontade política de trabalhar a questão. Mas a vacina prioritária, a da periferia, são justamente esses intelectuais que precisam tomar, para conseguirem descer do altar da soberba e ganharem a liberdade que seus condomínios de ilusão não proporcionam.
George André
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